Pastores, por definição, são aqueles
que cuidam de seus rebanhos, mas se não cuidarem de si mesmo, não poderão
“pastorearem a igreja de Deus, que ele comprou com o seu próprio sangue” (At
20.28). Por isso, Paulo exorta: “Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho
sobre o qual o Espírito Santo os colocou como bispos” (At 20.28).
Em 1 Timóteo 4.16, Paulo lista duas
coisas que um pastor deve vigiar sobre si mesmo: sua vida e seu ensino. Abaixo,
você pode ler o comentário de João Calvino sobre o versículo. Não deixe de
acessar a Biblioteca João Calvino, disponibilizado gratuitamente pelo
Ministério Fiel, para ter acesos a estes e outros comentários do autor.
Tem cuidado de ti mesmo e do teu
ensino. Um bom pastor deve ser criterioso acerca de duas coisas: ser diligente
em seu ensino e conservar sua integridade pessoal. Não basta que ele amolde sua
vida de acordo com o que é recomendável e tome cuidado para não dar mau
exemplo, se não acrescentar à vida santa uma diligência contínua no ensino. E o
ensino será de pouco valor se não houver uma correspondente retidão e santidade
de vida. Por conseguinte, Paulo tem razões de sobra para intimar Timóteo a dar
atenção tanto à sua pessoa em particular quanto à sua doutrinação para o
proveito geral da Igreja. Uma vez mais, ele recomenda-lhe constância, para que
jamais se prostre exausto, porque muitas coisas sucedem que podem desviar-nos
da trajetória retilínea, se não estivermos solidamente firmados para
suportá-las.
Porque, fazendo assim. O zelo dos
pastores será profundamente solidificado quando forem informados de que tanto
sua própria salvação quanto a de seu povo dependem de sua séria e solícita
devoção ao seu ofício. Entretanto, visto que o ensino que contém sólida
edificação geralmente não produz exibição bombástica, Paulo o adverte a
preocupar- se com o que é proveitoso; como se quisesse dizer: “Os homens que
buscam glória, então que se alimentem de sua própria ambição e se congratulem
com sua própria engenhosidade; tu, porém, contenta-te em devotar-te
exclusivamente à salvação de ti mesmo e de teu povo.”
Eis um conselho que se aplica bem a todo
o corpo da Igreja, ou seja, que ninguém se enfade daquela simplicidade que
vivifica as almas para a vida e as preserva robustas. Nem se deve causar
estranheza que Paulo atribua a Timóteo a obra de salvar a Igreja, porquanto
todos os que são conquistados para Deus são salvos, e é por meio da pregação do
evangelho que somos unidos a Cristo. E assim, como a infidelidade ou
negligência de um pastor é fatal à Igreja, também é justo que sua salvação seja
atribuída à sua fidelidade e diligência. É deveras verdade que é unicamente
Deus quem salva, e que nem mesmo uma ínfima porção de sua glória é transferida
para os homens. Mas a glória de Deus não é de forma alguma ofuscada em usar Ele
o labor humano para outorgar a salvação.
Por conseguinte, nossa salvação é dom
de Deus, visto que ela emana exclusivamente dEle e é efetuada unicamente por
seu poder, de modo que Ele é o seu único Autor. Mas esse fato não exclui o
ministério humano, tampouco nega que tal ministério possa ser o meio de
salvação, porquanto é desse ministério, segundo Paulo diz em outra parte, que
depende o bem-estar da Igreja [Ef 4.11]. Esse ministério é por natureza
inteiramente obra de Deus, pois é Deus quem modela os homens para que sejam
bons pastores e os guia por intermédio de seu Espírito e abençoa seu trabalho
para que o mesmo não venha ser infrutífero. Se um bom pastor é nesse sentido a
salvação daqueles que o ouvem, que os maus e indiferentes saibam que sua ruína
será atribuída aos que têm responsabilidade sobre eles. Pois assim como a salvação
de seu rebanho é a coroa do pastor, assim também todos os que perecem serão
requeridos das mãos dos pastores displicentes.
Diz-se que um pastor salva a si mesmo
quando ele obedece sua vocação, cumprindo fielmente o ofício a ele confiado,
não só porque assim evita o terrível juízo com o qual o Senhor ameaça pela boca
de Ezequiel, “seu sangue o requererei de tuas mãos” [33.8], mas porque é
costumeiro falar dos crentes como que conquistando sua salvação permanecendo no
curso de sua salvação.
Fonte: Voltemos ao Evangelho
Por: João
Calvino; Original: “O primeiro trabalho de um pastor: cuidar de si mesmo“.
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